quinta-feira, 27 de agosto de 2020

POETAS DE PARABÉNS

CARLOS DE OLIVEIRA



Casa

A luz de carbureto
que ferve no gasómetro do pátio
 e envolve este soneto
num cheiro de laranjas com sulfato
(as asas pantanosas dos insectos
reflectidas nos olhos, no olfacto,
a febre a consumir o meu retrato,
a ameaçar os tectos
da casa que também adoecia
ao contágio da lama
e enfim morria numa cama)
a pedregosa luz da poesia
que reconstrói a casa, chama a chama.

                              Carlos de Oliveira

    Carlos de Oliveira nasceu em Belém, no Brasil, em 10 de agosto de 1921. É uma figura relevante da geração dos neo-realistas. Chegou a ser diretor da revista Vértice. Quando abandonou o ensino dedicou-se exclusivamente à literatura. Dispersou a sua atividade entre a prosa e a poesia. Foi galardoado com o prémio Bordalo em "Literatura" e com o prémio Cidade de Lisboa.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020




Sonho de Verão

Tarde quente de verão,
Tarde doce, quente, amena,
É feliz meu coração
E bela a tarde serena.

Não sopra na sebe o vento,
Não bulem os pinheirais,
O rouxinol a contento
Vai cantando madrigais.

Rouxinol, ave de encanto,
Plumagem acetinada,
O teu mavioso canto
É melodia encantada.

As andorinhas nos ninhos,
Na tarde fresca e calma,
Cedem aos filhos carinhos,
Resquícios da sua alma.

Serpenteando formosa,
Correndo todo o jardim,
Pousa a abelha em toda a rosa,
Em cada cravo e jasmim.

Mas a leve mariposa
Surge como num lampejo,
Leve voa e, vaporosa,
A cada flor dá um beijo.

Ao zumbir cadenciado
Da abelha em cada canteiro
O pintassilgo cantado
Leva todo o cancioneiro.

E nas árvores da mata
Discutem alto os pardais,
No bosque a água em cascata
Espuma entre os salgueirais.

Nesta tarde quente e calma,
De espontânea natureza,
Meu coração e minha alma
Respiraram singeleza.

Se numa vida vivida,
No meio de ódio e guerra,
Pudesse ver repartida,
Nos quatro cantos da Terra,

A paz dum calmo ideal
Traduzido na pureza
Desse hálito virginal,
Que emana da natureza...

Meus sentidos agradados
Pensariam encontrar,
Como em delírios doirados,
A paz da força do amar.

Meu ser rejubilaria
Por ver encontrado, enfim,
Todo o mundo em harmonia
Na paz viva dum jardim.

                         Juvenal Nunes




quarta-feira, 12 de agosto de 2020

POEMAS POR TEMAS



O Companheirismo de uma Amizade




Quero ser o teu amigo.

Nem demais nem de menos.

Nem tão longe nem tão perto.

Na medida mais precisa que eu puder.

Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,

Da maneira mais discreta que eu souber.

Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.

Sem forçar tua vontade.

Sem falar quando for hora de calar.

E sem calar quando for hora de falar.

Nem ausente, nem presente por demais.

Simplesmente, calmamente, ser-te paz.

É bonito ser amigo, mas, confesso, é tão difícil aprender!

E por isso eu te suplico paciência.

Vou encher este teu rosto de lembranças,

Dá-me tempo de acertar nossas distâncias…


                Fernando Pessoa



Tema: A Amizade

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

POETAS MEDIEVAIS

AIRAS NUNES





Bailemos nós,  as três amigas ditosas,
sob estas aveleiras floridas
e quem for formosa, como nós, formosas,
se amigo amar,
sob estas aveleiras floridas
virá bailar.

Bailemos nós já todas três, ai irmãs,
sob este ramo destas aveleiras,
e nossa beleza, que nos faz gaiteiras,
se amigo amar,
sob este ramo destas aveleiras
virá bailar.

   Por Deus, ai amigas, enquanto outra coisa não fazemos, 
   sob este ramo florido bailemos, 
   e quem bem parecer, como nós parecemos,
   se amigo amar,
   sob este ramo, assim que nós bailemos,
   virá bailar.



     Airas Nunes foi um trovador medieval galego. Era possuidor de enorme cultura e esteve ao
serviço de Sancho IV, rei de Leão e Castela.

     A cantiga de amigo aqui apresentada é uma das mais célebres que nos foi legada pelo
Trovadorismo.
     Nas culturas antigas, as aveleiras estavam associadas a ritos nupciais, cujo simbolismo apresenta
um valor semelhante ao das atuais flores de laranjeira.

domingo, 2 de agosto de 2020

A POESIA GALEGO-PORTUGUESA



                                                 




    Os textos da poesia Galego-Portuguesa dão corpo ao Trovadorismo, o primeiro movimento literário e poético surgido no séc. XI, na Idade Média.
    As cantigas estão divididas, principalmente, nos seguintes géneros: cantigas de amor, cantigas de amigo, cantigas de escárnio e maldizer e cantigas de loor.
    Nas cantigas de amor, o amador dirige-se à mulher amada como alguém distante e quase inacessível, o que faz dele um sofredor.
    Nas cantigas de amigo, leia-se namorado, o eu-lírico é uma mulher. Têm uma origem vincadamente popular.
    Nas cantigas de escárnio há uma sátira feita a uma pessoa de forma indireta, podendo conter vários sentidos, enquanto nas de maldizer essa sátira é direta e sem subterfúgios,
    Nas cantigas de loor faz-se um louvor a alguém.
    Estes textos, porque eram cantados, vinham acompanhados de uma notação musical, a pauta, estão guardados em cancioneiros. Contudo, apenas as Cantigas de Santa Maria, organizadas por Afonso X, têm notação musical, em três dos seus quatro códices. Das restantes cantigas da época restam, apenas, os textos em verso.

                                                                                       Juvenal Nunes