quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

 POEMAS POR TEMAS

MUNDO



Tema: Mundo


Ao Vento

O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minha alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir se há de chorar!

Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amor,
A tua voz tortura toda a gente!...

Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo,
E não rias assim!... Ó vento, chora!

Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
E a gente andar a rir pela vida fora!!...

Florbela Espanca







        Florbela Espanca é uma poeta portuguesa consagrada pela superior
qualidade dos seus sonetos.
        O seu talento espraiou-se também, na prosa, como contista.

domingo, 21 de janeiro de 2024

 LUTAR É VENCER



LUTAR É VENCER

Na vida não paramos de lutar,
Fugindo às penas, injustos castigos,
Importa prosseguir bem devagar,
Evitar correr por grandes perigos.

Evitar percalços, não claudicar,
Tomar por bem os melhores amigos,
Que nos levem a saber evitar
Os falsos cordeiros, os inimigos.

Aproveitar o tempo prestimoso
Sem ilusórios, falsos recamos,
Distinguir bem do certo, o duvidoso,

Aproveitar as horas principais
Para que no ócio nos não percamos,
Alcançando objetivos bem reais.

               Juvenal Nunes



domingo, 14 de janeiro de 2024

 O ROMANTISMO

ANTÓNIO FELICIANO DE CASTILHO





Os Treze Anos

Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.

Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já bailo ao domingo
com as mais no terreiro.

Já não sou Anita,
como era primeiro;
sou a Senhora Ana,
que mora no outeiro.

Nos serões já canto,
nas feiras já feiro,
já não me dá beijos
qualquer passageiro.

Quando levo as patas,
e as deito ao ribeiro,
olho tudo à roda,
de cima do outeiro.

E só se não vejo
ninguém pelo arneiro,
me banho co'as patas
Ao pé do salgueiro.

Miro-me nas águas,
rostinho trigueiro,
que mata de amores
a muito vaqueiro.

Miro-me, olhos pretos
e um riso fagueiro,
que diz a cantiga
que são cativeiro.

Em tudo, madrinha,
já por derradeiro
me vejo mui outra
da que era primeiro.

O meu gibão largo,
de arminho e cordeiro,
já o dei à neta
do Brás cabaneiro,

dizendo-lhe: «Toma
gibão, domingueiro,
de ilhoses de prata,
de arminho e cordeiro.

A mim já me aperta,
e a ti te é laceiro;
tu brincas co'as outras
e eu danço em terreiro».

Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro.

Já não sou Anita,
sou a Ana do outeiro;
Madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.

Não quero o sargento,
que é muito guerreiro,
de barbas mui feras
e olhar sobranceiro.

O mineiro é velho,
não quero o mineiro:
Mais valem treze anos
que todo o dinheiro.

Tão-pouco me agrado
do pobre moleiro,
que vive na azenha
como um prisioneiro.

Marido pretendo
de humor galhofeiro,
que viva por festas,
que brilhe em terreiro.

Que em ele assomando
co'o tamborileiro,
logo se alvorote
o lugar inteiro.

Que todos acorram
por vê-lo primeiro,
e todas perguntem
se ainda é solteiro.

E eu sempre com ele,
romeira e romeiro,
vivendo de bodas,
bailando ao pandeiro.

Ai, vida de gostos!
Ai, céu verdadeiro!
Ai, páscoa florida,
que dura ano inteiro!

Da parte, madrinha,
de Deus vos requeiro:
Casai-me hoje mesmo
com Pedro Gaiteiro.

António Feliciano de Castilho





        António Feliciano de Castilho nasceu em Lisboa, em 28 de janeiro de 1800 e faleceu 
na mesma cidade em 18 de junho de 1875.
        Com 6 anos de idade a doença do sarampo fez-lhe perder a visão, deixando-o cego.
Apesar das dificuldades daí resultantes conseguiu exercer grande influência na intelectualidade 
do seu tempo. Criou o método Castilho de leitura e foi um poeta relevante do Romantismo. 
Também se dedicou à prosa escrevendo os Quadros Históricos de Portugal.
        Foi sempre muito ativo em diversas facetas da sua vida.

domingo, 7 de janeiro de 2024

 POEMAS POR TEMAS

ESPERANÇA



Tema: Esperança


Esperança

E depois talvez venha
O anjo da visita e do poema,
E traga o lume e a lenha
Do incêndio pedido.
Talvez venha,
De ritmos vestido.

Talvez… E, como outrora,
Ponha sobre a cabeça
Do poeta de agora
Os versos que ele mereça.

Em forma de grinalda,
Inocente e florida,
Talvez o faça ungido
Dum grito a amais na vida
Inútil e dorido…

 Miguel Torga





         Miguel Torga nasceu em S. Martinho de Anta em 12 de agosto de 1907 e faleceu 
em Coimbra, em 17 de janeiro de 1995.
        Oriundo de uma família humilde que trabalhava na agricultura, começou a trabalhar 
com 10 anos de idade. Após uma curta passagem pelo seminário emigrou  para 
o Brasil aos treze anos para trabalhar numa fazenda de café, pertencente a um tio.
Devido à sua enorme capacidade de aprendizagem o tio permitiu-lhe que ´prosseguisse os
 estudos, no Brasil. Cinco anos volvidos regressa a Portugal, conclui os estudos liceais 
e acaba por se licenciar em Medicina, na Universidade de Coimbra.
        Médico de profissão, dedicou-se intensamente à atividade literário tornando-se num dos
grandes escritores do séc.  XX português, tanto na prosa como na poesia.
        Largamente premiado pela sua obra literário recebeu também o Prémio Camões,
o mais importante na língua portuguesa.