quinta-feira, 27 de maio de 2021

POETAS DE PARABÉNS

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO 







Além-Tédio

Nada me expira já, nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto divagar em paz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente de novo, fui-me a Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti, mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes e esguios.

Mário de Sá-Carneiro







   Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa , em 19/05/1890 e faleceu em Paris, em 26/04/1916.
   Enquanto poeta, teve uma fugaz mas brilhante carreira literária porquanto, por ser socialmente
inadaptado e instável psicologicamente, viria a cometer suicídio num hotel, em Paris.
   É um dos responsáveis pela introdução do Modernismo, em Portugal, tendo feito parte da
Geração d`Orpheu.
   Notabilizou-se, também, como contista e ficcionista.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

 



Dias de Maio

Desaparece a neblina,
Ao brilho do sol nascente,
Luz em fundo de opalina,
Na ramagem mais virente.

Esvoaçam borboletas
Em um bailado de cor,
Sempre leves, inquietas,
Das flores sempre em redor.

Num constante voejar,
Na cadência dos zumbidos,
As abelhas vão libar
No gozo dos seus sentidos.

As formigas no carreiro,
Na sua marcha ordenada,
Levam para o formigueiro 
Toda a comida encontrada.

Nos céus há belos trinados,
Que ecoam sobre os trigais,
São pássaros namorados
Em seus cantos nupciais.

Ao longo do mês de maio,
No seu voo elegante,
Canta no bosque o gaio
Ouvindo-se a cada instante.

Sobre tudo o sol pesponta
Nesta natureza viva
Que a todos bem importa,
Tem a força de criar,
Já que a todos nos motiva
Com os produtos da horta 
E os frutos do pomar.

Juvenal Nunes



terça-feira, 11 de maio de 2021

 POEMAS POR TEMAS




Tema: Mãe


Vem Ver a Minha Mãe

Está junto das coisas que bordaram
com ela os dias que supôs mais belos
e são a fonte de onde lhe começa
o branco tempo dos cabelos.

Mal pousa a vida nos seus dedos gastos
do sonho que pousou na minha mão
e no sangue tão frágil que sustenta
tanta ternura e tanta solidão.

        Vítor Matos e Sá






        Vítor Matos e Sá é um poeta português natural de Lourenço Marques, 
atual cidade de Maputo.
        É licenciado e doutorado em Filosofia pela Universidade de Coimbra,
onde também foi docente.
        A sua poesia reveste-se de uma preocupação especulativa de base filosófica, 
em que são patentes as marcas sobre a experiência existencial.


quarta-feira, 5 de maio de 2021

 POESIA PALACIANA





De Fernão Lobato a ua senhora que servia

 

A vós a que por meu mal

meu serviço obriguei,

que por morte acabarei

de vos ser sempre leal.

Tanto sam vosso, senhora,

quanto eu de mim conheço,

que nam quisera ser agora

Polo mal que já padeço.


Ca em mim nam estaa poder,

senhora, de me partir

nem vontade de servir

nunca m`haa- de falecer.

 

Ca raiva meu coraçam,

onde jaz na parte esquerda,

por temer que sem rezam

há-d`haver mui grande perda.

 

E que perda tanto seja

quanta vos dizer nam posso,

a vontade de ser vosso

é, senhora, mais sobeja.

Ca segundo meus sentidos

vos fazem, senhora, de mim

os meus males conhecidos

vos faram ver minha fim.

 

Vossa fala graciosa

me tem posto tal cuidado

que per mim nam sam ousado

dizer sem licença vossa.

Mas peroo que tal desejo

algum homem ter quisesse

em amar a tam sobejo

nam creo que ser podesse.

 

A vós per quem tribulança

o meu mal é a tam grande

que me faz vos nam demande

a verdadeira esperança.

E vós, senhora poderosa,

farês bem satisfazer,

com vontade piadosa,

a quem vive sem prazer.

 

 

De mim se poderaa dizer

que vos amo lealmente,

sem poder de vós saber,

senhora, se sôes contente.


        Fernão Lobato






      A imagem apresentada pode muito bem representar a dama a quem 
Fernão Lobato dedica seu poema.