POETAS DE PARABÉNS
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Além-Tédio
Nada me expira já, nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto divagar em paz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente de novo, fui-me a Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti, mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes e esguios.
Mário de Sá-Carneiro
Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa , em 19/05/1890 e faleceu em Paris, em 26/04/1916.
Enquanto poeta, teve uma fugaz mas brilhante carreira literária porquanto, por ser socialmente
inadaptado e instável psicologicamente, viria a cometer suicídio num hotel, em Paris.
É um dos responsáveis pela introdução do Modernismo, em Portugal, tendo feito parte da
Geração d`Orpheu.
Notabilizou-se, também, como contista e ficcionista.