domingo, 30 de janeiro de 2022

 POEMAS POR TEMAS


Vergílio Ferreira

Tema: Melancolia


Fímbria de Melancolia

Fímbria de melancolia,
memória incerta da dor,
ouço-a no gravador,
no fado que não se ouvia
quando ouvia o seu clamor.

Porque era já no passado
o presente dessa hora
e que me ressoa agora
a um outro mais alongado.

Assim a dor que se sente
no outro obscuro de nós
nunca fala a nossa voz
mas de quem de nós ausente,
só a nós próprios consente
quando não estamos nós
mas mais sós do que ao estar sós.

Onde então estamos nós?

Vergílio Ferreira 







        Vergílio Ferreira nasceu em Melo, serra da Estrela, no dia 28 de janeiro de 1916 e faleceu em Lisboa, em 1 de março de 1996.
        A sua obra insere-se em dois períodos literários: o Neo-Realismo e o Existencialismo.
        A sua obra principal em prosa, Manhã Submersa, foi adaptada para o cinema, tendo Vergílio Ferreira desempenhado um dos principais papeis, o de Reitor do Seminário.
        Galardoado com diversos prémios literários foi eleito, em 1992, para  a Academia das Ciências 
de Lisboa, ano em que também lhe foi atribuído o Prémio Camões.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

 POETAS DE PARABÉNS

AFONSO LOPES VIEIRA





Leve, Leve, o Luar

Leve, leve, o luar de neve
goteja em perlas leitosas,
o luar de neve e tão leve
que ameiga o seio das rosas.

E as gotas finas da etérea
chuva, caindo do ar,
matam a sede sidéria
das coisas que embebe o luar.

A luz, oh sol, com que alagas,
abre feridas, e a lua
vem pôr no lume das chagas
o beijo da pele nua.

Afonso Lopes Vieira






        Afonso Lopes Vieira nasceu em Leiria, em 26 de janeiro de 1878 
e faleceu em Lisboa, em 25 de janeiro de 1946.
        Alcançou notoriedade tanto no campo do verso como na prosa, sendo
 também importante o seu contributo no domínio da Literatura Infantil.
        Implementou fortemente a corrente da chamada Renascença 
Portuguesa e é um dos primeiros representantes do Neogarretismo.
        Colaborou em revistas de nomeada do seu tempo e é autor de uma 
vastíssima obra em verso.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

 SOLIDÃO




Solidão

Momentos de solidão
Na vida quem os não tem,
A dor dessa punição
A nossa alma contém.

Um ser assim limitado
Pelo pungir da ausência
Fica só e magoado,
Ferido pela carência.

De noite o brilho da lua
No fundo da alma ecoa
Corpo inerte, estátua nua,
Escuridão que magoa.

Há nos traços da lembrança
Uma imagem que persiste,
Um sentir que não se cansa,
Uma dor que não resiste.

Do sentimento ferido
Essa dor agora levo-a,
Do caminho percorrido
Fica apenas uma névoa.

Juvenal Nunes





sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

 O CLASSICISMO




Se Meu Desejo Só é Sempre Ver-vos

Se meu desejo só é sempre ver-vos,
Que causará, senhora, que em vos vendo
Assi me encolho logo, e arrependo,
Que folgaria então poder esquecer-vos?

Se minha glória só é sempre ter-vos
No pensamento meu, porque em querendo
Cuidar em vós, se vai entristecendo?
Nem ousa meu esprito em si deter-vos?

Se por vós só a vida estimo, e quero,
Como por vós a morte só desejo?
Quem achará em tais contrários meio?

Não sei entender o que em mim mesmo vejo.
Mas que tudo é amor, entendo, e creio,
E no que entendo, e creio, nisso espero.

        António Ferreira







          António Ferreira nasceu em Lisboa no ano de 1528, tendo falecido
   na mesma cidade, em 29 de novembro de 1569.
          O seu estro colocou-o no patamar mais elevado dos poetas
   do classicismo renascentista de língua portuguesa, o que lhe
   valeu o epíteto de Horácio Português.
          Por ter sido discípulo de Sá de Miranda aparece aqui representado
   por um soneto.
          A sua principal obra, contudo, é a tragédia Castro escrita em verso
   polimétrico e branco.