quarta-feira, 29 de novembro de 2023



 O ROMANTISMO

CAMILO CASTELO BRANCO




Perdida!

Veloz, qual flecha impelida
O meu cavalo corria…
Eu tinha a febre da raiva,
Abrasava-me a agonia,
E o cavalo generoso
O meu ódio concebia.

Os precipícios transpunha
Sem as rédeas sofrear!
Longe, ao longe eu ansiava
Este horizonte alargar;
Procurava mundos novos,
Faltava-me ali o ar.

E, de relance, deviso
Linda flor em ermo Val,
Mal aberta, e aljofrada
Pelo orvalho matinal,
Reacendendo solitária
Seu perfume virginal.

Nenhum homem lhe tocara,
Nem talvez a vira ali!
Tive orgulho de encontrá-la,
Que outra mais bela não vi.
Mas o ímpeto indomável
Do cavalo não venci.

E perdi-a! Não me lembro
Onde vi tão linda flor!
Sei que lá me fica a alma
Como um feudo pago à dor.
Outros lábios virão dar-lhe
Férvido beijo d’amor.

Camilo Castelo Branco  







         Camilo Castelo Branco é natural de Lisboa, onde viu a luz do dia aos 16 de março
de 1825, tendo vindo a falecer em S. Miguel de Seide, em 1 de junho de 1890.
        Escritor genial, tornou-se, por dificuldades económicas, no primeiro escritor
profissional português.
        Do seu trabalho resultou uma obra incomensurável, na prosa principalmente, mas
também se destacou na poesia.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

 POETAS DE PARABÉNS

SOPHIA DE MELLO BREYNNER ANDRESEN



Fundo do Mar

                No fundo do mar há brancos pavores,
               Onde as plantas são animais
               E os animais são flores.
 

              Mundo silencioso que não atinge
              A agitação das ondas.
              Abrem-se rindo conchas redondas,
              Baloiça o cavalo-marinho.
              Um polvo avança
              No desalinho
              Dos seus mil braços,
              Uma flor dança,
              Sem ruído vibram os espaços.
 

              Sobre a areia o tempo poisa
              Leve como um lenço.
 

              Mas por mais bela que seja cada coisa
              Tem um monstro em si suspenso.

            Sophia de Mello Breynner Andresen






        Sophia de Mello Breynner Andresen viu a luz do dia no Porto, em 6 de novembro de 
1919 e viria a falecer em Lisboa, em 2 de julho de 2004.
        É considerada uma das mais importantes poetisas portuguesas do séc. XX tendo recebido 
o Prémio Camões em 1999.
        Notabilizou-se, também, como contista escrevendo livros para a infância.
        Jaz sepultada no Panteão Nacional, em Lisboa.


domingo, 12 de novembro de 2023

 SOLICITUDE



Solicitude

Calcorreio veredas e caminhos
Por onde esvoaçam as mariposas,
Leves, breves asas silenciosas,
Desferindo no ar doces carinhos.

Escuto o som dos meus passos sozinhos
Nas íngremes ladeiras declivosas,
Aspiro o ar das perfumadas rosas,
Pressinto a vida no calor dos ninhos.

Nervosas, as mãos, numa prece, oram
Por todos aqueles que na dor choram,
Na vida condenados ao degredo;

Num gesto solidário eu ergo os braços
Querendo envolver todos os espaços,
Num último esforço, banir o medo.

Juvenal Nunes



domingo, 5 de novembro de 2023

 POEMAS POR TEMAS

MIGUEL TORGA



Tema: Liberdade


Liberdade 

-- Liberdade, que estais no céu…
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

-- Liberdade, que estais na terra…
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
-- Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Miguel Torga




        Miguel Torga nasceu em S. Martinho de Anta em 12 de agosto de 1907 e faleceu
em Coimbra, em 17 de janeiro de 1995.
        Oriundo de uma família humilde que trabalhava na agricultura, começou a trabalhar
com 10 anos de idade. Após uma curta passagem pelo seminário emigrou para
o Brasil aos treze anos para trabalhar numa fazenda de café, pertencente a um tio.
Devido à sua enorme capacidade de aprendizagem o tio permitiu-lhe que ´prosseguisse os
estudos, no Brasil. Cinco anos volvidos regressa a Portugal, conclui os estudos liceais
e acaba por se licenciar em Medicina, na Universidade de Coimbra.
        Médico de profissão, dedicou-se intensamente à atividade literário tornando-se num dos
grandes escritores do séc. XX português, tanto na prosa como na poesia.
        Embora nomeado para o Prémio Nobel nunca chegou a receber esta distinção. Contudo, 
dentre os vários prémios com que foi agraciado consta o Prémio Camões, o mais importante 
da língua portuguesa.