segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

 4º ENCONTRO TEMÁTICO

UM POEMA DE NATAL


        É com alegria que anuncio a todos os amigos visitantes, leitores e autores o 4º Encontro Temático -

 Um Poema de Natal. Espero que se sintam todos à vontade para participar, abrilhantando, assim, a

 iniciativa.

        O período de participação decorre entre 9 de dezemmbro e 24 do mesmo mês do ano corrente.

        Quem quiser participar deverá:

        -- postar o texto no seu blog, antecedido do distintivo pictográfico apresentado.

        Saudações natalícias,    

        Juvenal Nunes        



terça-feira, 3 de dezembro de 2024

 POEMAS POR TEMAS

DESTINO




          Tema: Destino


Palavras de Água

Fechei-me dentro dos muros
Onde meu corpo não cabia
Contente de ser prisioneira
Do cárcere que eu transcendia.

E fui no vento que tudo
Tudo o que havia varria,
Contente de ser mais veloz
Que o vento que me impelia.

Fiquei suspensa dos ramos
Que os meus cabelos prendiam
Contente de ser o destino
Da árvore em que me fundia.

E dei-me como leito às águas
Dos sonhos que transcorriam
Contente de ser o curso
Da água em que me esvaía.

Natália Correia







        Natália Correia, de seu nome completo Natália de Oliveira Correia, nasceu na Fajã de Baixo, 
ilha de S. Miguel nos Açores e faleceu em Lisboa a 16 de março de 1993.
        Foi uma inflamada poeta tendo deixado uma obra numerosa e valiosa que lhe valeu a atribuição
 de vários galardões pelo reconhecimento do seu trabalho poético.
        Chegou a ser deputada no Parlamento Português. Foi, também, uma dinamizadora ativa de várias tertúlias literárias.

terça-feira, 26 de novembro de 2024

 O PARNASIANISMO

GONÇALVES CRESPO





Soneto da Nudez

Há um misto de azul e trevas agitadas
Nesse felino olhar de lúbrica bacante.
Quando lhe cai aos pés a roupa flutuante,
Contemplo, mudo e absorto, as formas recatadas.

Nessa mulher esplende um poema deslumbrante
De volúpia e langor; em noites tresloucadas
Que suave não é nas rosas perfumadas
De seus lábios beber o aroma inebriante!

Fascina, quando a vejo à noite seminua,
Postas as mãos no seio, onde o desejo estua,
A boca descerrada, amortecido o olhar...

Fascina, mas sua alma é lodo, onde não pousa
Um raio dessa aurora, o amor, sublime cousa!
Raio de luz perdido em tormentoso mar!

Gonçalves Crespo







        António Cândido Gonçalves Crespo, de seu nome completo, nasceu no Rio de Janeiro 
em 11 de março de 1846 e faleceu em Lisboa em 11 de junho de 1883.
        É um lídimo representante da escola parnasiana da poesia portuguesa, porquanto teve que se natuaralizar para poder exercer a advocacia em Portugal.
        Atingiu a notoriedade como poeta, após a sua morte, quando se publicaram as suas Obras 
Completas, prefaciadas por Teixeira de Queirós e Maria Amália Vaz de Carvalho, escritora
 e poetisa que fora casado com o autor.

sábado, 16 de novembro de 2024

 BUSCA







Busca 

Corre o rio para o mar
Na pressa de o abraçar;
Corro eu no mesmo passo
Na procura dum abraço.

No leito de águas revoltas,
Nesse caminho entre margens, 
Sinto as amarras soltas
No seguir dessas viagens.

Leva o canto das sereias
O rio ao mar nos seus braços,
Surdo a essas melopeias
Fico preso nos sargaços.

O rio tem a certeza 
De chegar ao seu destino
Tão próprio da natureza;
Também busco com firmeza
A rota em que maquino
Alcançar a minha empresa.

Dure o tempo que durar
Sempre chega o rio ao mar;
Perdido nas minhas mágoas
Quero encontrar as águas,
Que me façam navegar
Até poder encontrar
O destino dum bom cais,
Para não perder jamais
Âncora de amarração,
Que me deixe fundear 
No cais do teu coração.

Juvenal Nunes





sábado, 9 de novembro de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

INÊS LOURENÇO






Português Vulgar

O meu gato deixa-se ficar
em casa, farejando o prato
e o caixote das areias. Já não vai
de cauda erguida contestar o domínio
dos pedantes de raça, pelos
quintais que restam. O meu gato
é um português vulgar, um tigre
doméstico dos que sabem caçar ratos e
arreganhar dentes a ordens despóticas. Mas
desistiu de tudo, desde os comícios nocturnos
das traseiras até ao soberano desprezo
pela ração enlatada, pelo mercantilismo
veterinário ou pela subserviência dos cães
vizinhos. Já falei deste gato
noutro poema e da sua genealogia
marinheira, embarcada nas antigas
naus. Se o quiserem descobrir, leiam
esse poema, num livro certamente difícil
de encontrar. E quem procura hoje
livros de poemas? Eu ainda procuro,
nos olhos do meu gato, os
dias maiores de Abril.

Inês Lourenço





        Inês Lourenço é natural do Porto, onde nasceu em 7 de novembro de 1942.
        Dispersou a sua poesia por diversos jornais e revistas portuguesas, bem como por alguns 
países estrangeiros. Tem inúmeros livros publicados.
        Como poeta foi-lhe atribuída a medalha de mérito, pela Câmara Minicipal do Porto, em 9 
de julho de 2023.


sábado, 2 de novembro de 2024

 POEMAS POR TEMAS

AS FLORES




Tema: As Flores

A Duas Flores

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo, no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor

Castro Alves






        De seu nome completo António Frederico de Castro Alves nasceu em Vila Nova de Nossa 
Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, aos 14 de março de 1847. Viria a falecer em Salvador, 
a 6 de julho de 1871, aos 24 nos de idade, ainda na flor da vida.
        Rapidamente se impôs no mundo das letras, sendo considerado, pelos seus contemporâneos,
 o maior dentre os maiores.
        Improvisava com facilidade e era um excelente declamador.

sábado, 26 de outubro de 2024

 O PARNASIANISMO

                               O parnasianismo foi um movimento literário, especialmente poético, que se
                    originou em França. Vigorou em Portugal entre 1865 e 1890 e teve em João Penha
                    um dos seus principais cultores.

JOÃO PENHA







IDEAL

Era a jovem mais bela da cidade,
Nem mais graciosa em toda a Espanha a havia.
Não detestava a dança, e á noite lia
Obras de devoção e de piedade.

Namorado de tanta mocidade,
Disse-lhe, balbuciante, o que sentia.
Branda, aceitou-me a côrte, porque via
Que eu a amava com fé, com lealdade.

Um dia, quis beijá-la à moda antiga,
À pressa, porque a vida é transitória.
Ela, porém, com voz suave e amiga:

– «Nunca!» me disse; é vã, é ilusória
A matéria em que o espírito se abriga:
Quero que me ames, sim, mas... incorpórea.»

João Penha







        João Penha de Oliveira Fortuna era o seu nome completo e nasceu em Braga em 29 de 
abril de 1838 tendo falecido na mesma cidade em 3 de fevereiro de 1919.
        Colaborou em jornais literários e revistas da época, juntamente com outros intelectuais seus contemporâneos
        A sua produção literária marcou uma época a ele se devendo a introdução do Parnasianismo 
em Portugal.

sábado, 19 de outubro de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

NATÉRCIA FREIRE






Amor

Vibrátil, fina, perfumada e clara
ondula a aragem que o amor provoca.
Longe respira a vida. Aqui o sonho.
Tudo é infância de águas e colinas
Na manhã dos teus olhos.
E vôos de mãos dadas.
E cantos, cantos de infinito amor,
Nos galhos, nas correntes e nas sombras veladas.

Envolve-se de nuvem nosso abraço.
Vibrátil, fina, perfumada e clara
ondula a aragem. Fadas e duendes
agitam instrumentos na folhagem.

Vibrátil, fina, impercetível, fluída
orquestra ao longe. Ao fundo dos sentidos.
Dedos de flores ondeiam sobre a pele
de Céus indefinidos.

Cantam mistérios bocas fascinadas.
Abrem corolas sob a luz que as toca.
Vibrátil, fina, perfumada e clara
ondula a aragem que o amor provoca.

Natércia Freire







        De seu nome completo Natércia Ribeiro Oliveira Freire, nasceu em Benavente, em 28 de 
outubro de 1919 e veio a falecer em Lisboa, em 17 de dezembro de 2004.
        Professora primária de profissão tornou-se uma poetisa de qualidade pelo seu inegãvel 
talento.
        Galardoada ao longo da vida com inúmeros prémios literários recebeu. a título póstumo, no centenário do seu nascimento, o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

sábado, 12 de outubro de 2024

 POEMAS POR TEMAS

AS ÁRVORES




Tema: As Árvores

As árvores e os livros

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

Jorge Sousa Braga





        Jorge de Sousa Braga é natural de Cervães, Vila Verde, onde nasceu a 23 de dezembro 
de 1957.
        Médico de profissão, sentiu, a exemplo de muitos profissionais desse ofício, o chamado 
das letras, revelando, desde cedo, a sua vocação poética.
        Poeta dos nossos dias, distingue-se, também, como tradutor.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

 CHEGOU O OUTONO




Chegou o Outono

O outono chegou...
No sopro do vento
Há triste lamento.

O outono chegou...
Árvores despidas
São almas transidas.

O outono chegou...
Uma fria aragem
Varre a folhagem.

O outono chegou...
Silva a ventania
Agreste e sombria.

O outono chegou
Num lento compasso
De desolação.
Por todo o espaço
A nova estação
Marca o tempo e o passo
Em que a viração,
Num céu mais cinzento,
A todo o momento,
No seu ritual,
Nos diz que afinal
O outono chegou!

Juvenal Nunes




quarta-feira, 25 de setembro de 2024

 O REALISMO-NATURALISMO

GUERRA JUNQUEIRO




Regresso ao Lar

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!...

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida...
Só achei enganos, deceções, pesar...
Oh, a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!...

Trago de amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!...

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!...

Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...

Canta-me cantigas manso, muito manso...
tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!

Guerra Junqueiro





        Abílio Manuel Guerra Junqueiro, de seu nome completo, nasceu em Freixo de Espada à Cinta
 em 15 de setembro de 1850, vindo a falecer em Lisboa em 7 de julho de 1923.
        Figura icónica da poesia portuguesa foi o poeta mais popular da sua época.
        Abrilhantou os círculos lterários de Coimbra sendo figura proeminente da chamada Geração 
de 70.
        Teve a felicidade de ser agraciado em vida com o grau de Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant´Iago da Espada.

domingo, 15 de setembro de 2024

 VISIONAR


Visionar

Adormeço,
Na noite  dos teus cabelos
E sempre que te conheço
Espalham-se em caracois,
Tufos de rolo os mais belos,
Na brancura dos lençois.

Estremeço,
Nos teus olhos cor de amora
E sempre que te conheço
Há nessa luz o encanto
De ver neles raiar a aurora,
No mais diáfano canto.

Adormeço,
Na busca dessa fundura
E sempre que te conheço,
Alma grácil e serena,
Vou contigo na aventura 
Do teu corpo pele morena.

Juvenal Nunes





domingo, 8 de setembro de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

PEDRO HOMEM DE MELO





Povo

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia...
Mas a tua vida, não!

Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão...
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!

Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços...
Mas a tua vida, não!

Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama...
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las...
Mas a tua vida, não!

Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio...
Vi certa curva em teu seio...
Mas a tua vida, não!

Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão...
Povo! Povo! eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida, não!

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado,
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

Pedro Homem de Melo







        Pedro Homem de Melo é o nome de um poeta e folclorista português nascido no Porto, 
em 6 de setembro de 1904, tendo falecido na mesma cidade em 5 de março de 1984.
        Acabou por se fixar no Minho região que muito o seduziu.
        Embora a título póstumo foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.


domingo, 1 de setembro de 2024

 POEMAS POR TEMAS

SAUDADE




Minha Terra

Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pão e a minha casa…

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha… a dormitar…
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu…
Aonde a mãe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada…

Truz… truz… truz… Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite…
Terra, quero dormir… dá-me pousada!

Florbela Espanca





          Florbela Espanca é uma poeta portuguesa consagrada pela superior
qualidade dos seus sonetos.
         O seu talento espraiou-se também, na prosa, como contista.

domingo, 25 de agosto de 2024

 FEIRA DO LIVRO DO PORTO 2024

HOMENAGEM A EUGÉNIO DE ANDRADE





        A edição deste ano da feira do livro do Porto homenageia o poeta Eugénio de Andrade. 
Natural do Fundão, onde nasceu em 19 de janeiro de 1923, faleceu no Porto em 13 de junho de 
2005. Durante vários anos fui seu vizinho e via-o frequentemente na sua rotina diária.
        Veio viver para o Porto por razões profissionais e nessa cidade se fixou e envolveu. No
 Jardim de S. Lázaro gostava de apreciar, na época própria, os jacarandás floridos.
        A sua obra valeu-lhe a atribuição de diversos prémios literários entre os quais o Prémio 
Camões.

                                                      Feira do Livro do Porto 2024


As Palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparados, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade




domingo, 18 de agosto de 2024

 O REALISMO-NATURALISMO

        A dinâmica evolutiva da poesia fez que ao Ultrarromantismo sucedesse o Realismo-Naturalismo.
        O realismo retrata o dia a dia de pessoas comuns, de uma forma objetiva e utilizando uma linguagem direta.
        Cesário Verde é um dos seus mais relevantes representantes.







De Tarde

Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.

Cesário Verde







        Cesário Verde nasceu em Lisboa em 25 de fevereiro de 1855 e viria a falecer na mesma cidade,
em 19 de julho de1886.
        A sua obra literária foi relevante no domínio da poesia, tendo alcançado notoriedade como expoente do Realismo.


domingo, 11 de agosto de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

A. M. PIRES CABRAL






Defeito de Fabrico

Quando nasci, trazia de origem
um farol que despejava luz a jorros
sobre o que quer que fosse,
mormente sobre as dobras
pérfidas da noite.

Mas, por estranho que pareça,
também os faróis estão sujeitos
às leis da erosão,

e o meu farol deliu-se. Hoje não é
mais do que um triste farolim de bicicleta
que apenas me alumia dois palmos de noite.

Amanhã estará reduzido
a uma simples lanterna de bolso
com que mal poderei reconhecer
o lugar onde estou.

Até que um dia será, está bom de ver,
o mais fiável cúmplice da noite –

– da noite que devia dissipar,
e não fundir-se nela.

Defeito de fabrico.
Mas a garantia caducou e o fabricante
nega-se a ressarcir-me do escuro.

A. M. Pires Cabral




        

        António Manuel Pires Cabral, de seu nome completo, é um escritor português nascido
em Chacim (Macedo de Cavaleiros), em 13 de agosto de 1941. Exerceu a atividade profissional como professor,
revelando-se um talentoso homem de letras, enquanto romancista e poeta.
        Com uma obra largamente premiada é considerado, depois de Camilo e Torga, o mais
influente escritor de Trás-os- Montes e Alto Douro.
        Personalidade multifacetado realizou várias exposições como pintor aguarelista.


domingo, 4 de agosto de 2024

 POEMAS POR TEMAS

VERÃO




Tema: Verão


Os Dias de Verão

Os dias de verão vastos como um reino

Cintilantes de areia e maré lisa

Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é nosso corpo

Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é nosso corpo

O destino torna-se próximo e legível
Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem

Como se em tudo aflorasse eternidade

Justa é a forma do nosso corpo.

Sophia de Mello Breyner Andresen







        Sophia de Mello Breyner Andresen é uma poetisa natural do Porto, onde nasceu
em 5 de novembro de 1919.
        Foi tradutora e o seu talento manifestou-se também na prosa, tendo escrito livros
de contos infantis.
        Foi a primeira mulher portuguesa a receber, em 1999, o Prémio Camões.
        Encontra-se sepultada no Panteão Nacional.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

 NOITE E DIA



Noite e Dia

A noite sucede ao dia,
No seu velado noturno,
Sem a luz que alumia
Tudo se torna soturno.

A noite lenta descerra
A escuridão no seu manto,
As trevas cobrem a terra
Num negror de desencanto.

Até na treva fechada
Nem sempre a treva domina,
Pois há uma luz pulsada
Com que o luar nos anima
A fender a noite escura,
No seu foco de brancura;
Num contraste é assim a vida,
Assumido sem detença,
Vivência às vezes contida,
Outras vezes mais intensa.

Por longa que seja a treva
Há de vir a madrugada,
Luz que na manhã se eleva
Para alentar a jornada
E ao repôr a esperança,
Farol a luzir de guia,
É com outra confiança
Que começa novo dia.

Juvenal Nunes





quinta-feira, 18 de julho de 2024

 O ULTRARROMANTISMO

ÁLVARES DE AZEVEDO




Amor

Amemos! quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!


Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu!
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança!
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minh'alma, meu coração...
Que noite! que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento,
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Álvares de Azevedo








        Nascido em S.Paulo, em 12 de setembro de 1831, faleceu no Rio de Janeiro em 25 de abril de 1852, 
Álvares de Azevedo é uma figura marcante da poesia brasileira, sendo o mais conceituado 
        representante do ultrarromantismo, no Brasil. 
        Autor multifacetado teria mais para nos dar do seu promissor talento, mas faleceu aos 
vinte anos, em consequência de uma queda de cavalo.
        A sua obra mereceu a elogiosa apreciação de Machado de Assis.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

TOMÁS DE FIGUEIREDO





Sonetos da Casa Amarela

Fumar, fumar! A tanto me resumo
A fumar e a fumar o tempo arrasto.
Que longe o mundo está, o mundo vasto!
Fumar, fumar! O meu bordão é fumo.

Ir para o Norte ou Sul? Perdi o rumo.
De tanto já sofrer me sinto gasto.
Dum fogo inapagável sou o pasto,
Sem que me mate, nele me consumo.

A tudo quanto sou eu digo adeus.
Adeus à Fé, à Esperança! Ao próprio Deus?
Se houvesse um Deus consentiria nisto?!

Ou será que o seu querer impenetrado,
para cumprir-se o nunca revelado,
me entregou maior cruz do que a de Cristo?

 

Tomáz de Figueiredo







        Tomás Xavier de Azevedo Cardoso de Figueiredo é o nome completo de um escritor 
  português nascido em Braga,  em 6 de julho de 1902 e falecido em Lisboa,  em 29 de abril     de 1970.
        Exímio cultor da Língua Portuguesa trabalhou-a com maestria de forma multifacetada no domínio da prosa e da poesia.
        Formou-se em Direito na Universidade de Lisboa, mas a sua verdadeira vocação foi sempre a escrita.
        O valor literário da sua obra foi largamente reconhecido pela atribuição de diversos prémios.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

 PRÉMIO CAMÕES 2024

Adélia Prado




Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Adélia Prado





        Com esta publicação presta-se homenagem a Adélia Prado, considerada a maior poetisa 
viva do Brasil.
        Adélia Prado foi distinguida, em 26 de junho do corrente ano, com a atribuição do Prémio Camões. Instituído em 1989 por Portugal e Brasil, este é o maior galardão de língua portuguesa 
atribuído a um autor lusófono.
        A atribuição do prémio à autora justifica-se pela originalidade da sua obra, que ao longo de 
décadas se destacou na produção poética.
        Nascida em Divinóplis, Minas Gerais, é licenciada em Filosofia.