quinta-feira, 25 de julho de 2024

 NOITE E DIA



Noite e Dia

A noite sucede ao dia,
No seu velado noturno,
Sem a luz que alumia
Tudo se torna soturno.

A noite lenta descerra
A escuridão no seu manto,
As trevas cobrem a terra
Num negror de desencanto.

Até na treva fechada
Nem sempre a treva domina,
Pois há uma luz pulsada
Com que o luar nos anima
A fender a noite escura,
No seu foco de brancura;
Num contraste é assim a vida,
Assumido sem detença,
Vivência às vezes contida,
Outras vezes mais intensa.

Por longa que seja a treva
Há de vir a madrugada,
Luz que na manhã se eleva
Para alentar a jornada
E ao repôr a esperança,
Farol a luzir de guia,
É com outra confiança
Que começa novo dia.

Juvenal Nunes





quinta-feira, 18 de julho de 2024

 O ULTRARROMANTISMO

ÁLVARES DE AZEVEDO




Amor

Amemos! quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!


Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu!
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança!
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minh'alma, meu coração...
Que noite! que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento,
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Álvares de Azevedo








        Nascido em S.Paulo, em 12 de setembro de 1831, faleceu no Rio de Janeiro em 25 de abril de 1852, 
Álvares de Azevedo é uma figura marcante da poesia brasileira, sendo o mais conceituado 
        representante do ultrarromantismo, no Brasil. 
        Autor multifacetado teria mais para nos dar do seu promissor talento, mas faleceu aos 
vinte anos, em consequência de uma queda de cavalo.
        A sua obra mereceu a elogiosa apreciação de Machado de Assis.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

TOMÁS DE FIGUEIREDO





Sonetos da Casa Amarela

Fumar, fumar! A tanto me resumo
A fumar e a fumar o tempo arrasto.
Que longe o mundo está, o mundo vasto!
Fumar, fumar! O meu bordão é fumo.

Ir para o Norte ou Sul? Perdi o rumo.
De tanto já sofrer me sinto gasto.
Dum fogo inapagável sou o pasto,
Sem que me mate, nele me consumo.

A tudo quanto sou eu digo adeus.
Adeus à Fé, à Esperança! Ao próprio Deus?
Se houvesse um Deus consentiria nisto?!

Ou será que o seu querer impenetrado,
para cumprir-se o nunca revelado,
me entregou maior cruz do que a de Cristo?

 

Tomáz de Figueiredo







        Tomás Xavier de Azevedo Cardoso de Figueiredo é o nome completo de um escritor 
  português nascido em Braga,  em 6 de julho de 1902 e falecido em Lisboa,  em 29 de abril     de 1970.
        Exímio cultor da Língua Portuguesa trabalhou-a com maestria de forma multifacetada no domínio da prosa e da poesia.
        Formou-se em Direito na Universidade de Lisboa, mas a sua verdadeira vocação foi sempre a escrita.
        O valor literário da sua obra foi largamente reconhecido pela atribuição de diversos prémios.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

 PRÉMIO CAMÕES 2024

Adélia Prado




Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Adélia Prado





        Com esta publicação presta-se homenagem a Adélia Prado, considerada a maior poetisa 
viva do Brasil.
        Adélia Prado foi distinguida, em 26 de junho do corrente ano, com a atribuição do Prémio Camões. Instituído em 1989 por Portugal e Brasil, este é o maior galardão de língua portuguesa 
atribuído a um autor lusófono.
        A atribuição do prémio à autora justifica-se pela originalidade da sua obra, que ao longo de 
décadas se destacou na produção poética.
        Nascida em Divinóplis, Minas Gerais, é licenciada em Filosofia.

domingo, 30 de junho de 2024

 CONSIDERAÇÕES REFLEXIVAS

3ª Homenagem aos Santos Populares

Uma Quadra para um Santo




        Dou hoje por concluída a receção de trabalhos para a iniciativa de homenagem aos santos populares.Confesso que esperava um pouco mais desta inciativa qundo fiz o seu lançamento e lancei a sua proposta.
        Considerando todo o ambiente de festividade, de cariz vincadamnete popular, que envolve estas celebrações, parece-me que a adesão e participação, neste desafio, ficou aquém das espectativas.
        Bastaria, por exemplo, estabelecer uma comparação com o ano anterior.
        Mas deixemo-nos de lamentações. Importa agora agradecer a quem manifestou o seu apoio por esta homenagem e, mais do que isso, não receou corresponder-lhe participando com o esforço do trabalho apresentado.

        Muito obrigado aos corajosos participantes.
        Um abraço para todos.

                          Juvenal Nunes


PS: Os que quiserem poderão ostentar, em seus blogues, o signo distintivo da sua participação.



domingo, 23 de junho de 2024

 UMA QUADRA PARA UM SANTO

3º Homenagem aos Santos Populares





Lancei uma acha à fogueira,

O fogo ficou em brasa,

Descobri, dessa maneira,

Toda a paixão que me abrasa.


Juvenal Nunes


terça-feira, 18 de junho de 2024

 3ª HOMENAGEM AOS SANTOS POPULARES



 

        O mês de junho é o mês dos santos populares.
        Por tal motivo, quero convidar todos os amigos, leitores e autores, que visitam o
        Palavras Aladas, para participarem nesta iniciativa.
        Basta uma quadra para que a colaboração fique concretizada. Tão simples quanto isso.

        Quem quiser participar deverá:


    -- postar o texto no seu blog, antecedido do distintivo pictográfico apresentado.


        Saudações poéticas.

                                                           

            Juvenal Nunes


Participantes

 
1º - Chica - Juninas

2º - Rosélia Bezerra - Santos Populares


4º - Juvenal Nunes - Uma Quadra para um Santo


sexta-feira, 14 de junho de 2024

 

No Abraço, Sem Palavras - Dueto Amoroso - Poema 2

 


É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braço.

(Mário Quintana)






No Abraço, Sem Palavras

No calor do teu abraço,
sinto-me afagada na alma,
como num ornado e belo laço,
é bom calor, ele me acalma.

Nossas mãos nos aquecem,
nem é preciso as palavras,
só afagos, ternuras mágicas,
merecemos, o mar sabe bem.

O mundo se tingiu de azul,
céu e mar do Norte ao Sul,
golfinhos celebram, bailam
em sintonia, nos embalam.

Cinge a cintura com força,
acarinha costas com bossa,
entre carícias renovadas,
chega-se às festas amadas.

Rosélia Bezerra


Abraço

Imenso mar da paixão...
Nas vagas bruscas do mar
Surgem ondas de desejo
Crescendo num turbilhão,
Em que busco navegar
Como na água dum beijo.

A tormenta desespera
Nesse constante vaivém
Que não consigo evitar;
Remo na minha galera
Que meu seguro provém
Para poder aportar.

Vejo perto o futuro
No farol do horizonte;
No meu barco sem arrais,
Numa ânsia te procuro,
A sonhar-te ali defronte
À minha espera no cais:

E no correr desse passo
Envolvo-te num abraço.

Juvenal Nunes



Envio os meus parabéns à Rosélia por esta iniciativa e quero torná-los extensivos a todos os participantes aderentes.

terça-feira, 4 de junho de 2024

 POEMAS POR TEMAS

NATUREZA



Tema: Natureza

A fermosura desta fresca serra

A fermosura desta fresca serra,
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;

O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do Sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra;

Enfim, tudo o que a rara natureza
Com tanta variedade nos of’rece,
Me está se não te vejo magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
Sem ti, perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias, mor tristeza.

Luís de Camões





        Luís de Camões é natural de Lisboa, cidade onde nasceu no ano de 1524. Viria a 
falecer na mesma cidade em 10 de junho de 1580.
        Viveu uma vida atribulada. Foi soldado e poeta multifacetado.
        A sua obra Os Lusíadas colocou-o  no topo dos maiores poetas portugueses de 
todos os tempos.

terça-feira, 28 de maio de 2024

 O ULTRARROMANTISMO

BULHÃO PATO



CARTA

Quando partiste ainda havia
Um sol como de verão.
Partiste, e logo a invernia
— Triste do meu coração —
Rompeu de cara sombria.

Mar que vias da janela,
Tão sereno e tão azul,
Torvo ao largo se encapela
Com as lufadas do sul,
Dando núncios da procela.

Uma avesita arribada,
Que à tarde poisou aqui,
Soltou um pio magoada;
Como eu as tenho de ti
Teve saudades, coitada!

Saudades… se breve espero
Ver-te, que estás a dois passos?
Sempre a um pai é desespero
Não ter a filha nos braços,
E eu como a filha te quero.

De passagem te direi
Que ontem, descendo o valado,
Com a casa defrontei,
E, vendo tudo fechado,
Por vergonha não chorei.

Quando do alto do casal
Me avistavam da janela,
Que alegria triunfal! …
Eras tu, e a Filomela,
E os lenços num vendaval!

— «Depressa, que o tio espera,
Jantar na mesa, são horas.»
E a tentar cara severa,
E rindo como as auroras
Dos dias da primavera!

Agora vêm da invernia
As cordas d’água puxadas
Na força da ventania,
E essas janelas cerradas,
E eu sem a vossa alegria!…

Já nem sei o que escrevi…
Vou fechar a carta. Adeus!
Guarda um beijo para ti,
Dá-me um abraço nos teus,
Y nó te olvides de mi!

Bulhão Pato





        Raimundo António de Bulhão Pato, de seu nome completo, nasceu em Bilbau por ser filho
 de mãe espanhola, em 3 de março de 1828, vindo a falecer no Monte da Caparica, em 24 
de agosto de 1912.
        Tornou-se conhecido no mundo das letras pela sua contribuição para a poesia ultrarromântica.
        Frequentador de saraus literários, era um bon vivant, tendo-nos deixado a sua famosa receita de Ameijoas à Bulhão Pato.


sábado, 18 de maio de 2024

 ENCONTRO





Encontro

Corro na praia deserta,
Bem junto à beira do mar,
É algo que me desperta
Duma forma salutar.

Vou pelo sopro do vento,
Que propaga a maresia,
Ganho sempre novo alento,
Que me enche de alegria.

No desenrolar das ondas
Vejo emergir sereias,
Peitos de formas redondas
Entoando melopeias..

No fundo do areal,
Sereia feita mulher,
Numa visão mais real
Seu corpo deixa entrever.

Nesse encontro só almejo,
Nessa praia sem ter fim,
Colher tal como desejo
Essa flor do teu jardim.

Juvenal Nunes





sábado, 11 de maio de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

MÁRIO BEIRÃO





Aleluia

Se cantas, nasce o dia;
A luz segreda à flor: Ave, Maria!

Tudo é silêncio, espanto,
Quando vaga no Azul o teu encanto...

Passas e deixas no ar
O perfume das rosas de toucar!

Creio em ti, como em Deus;
Viver à tua luz é estar nos Céus!

Verdes enleios de hera
Cingem de amor teu vulto, ó Primavera!

Nos perdidos caminhos,
Voam gorjeios, músicas dos ninhos...

A Terra em névoas de ouro
Ascende a Deus em teu olhar de choro!

Senhora da Harmonia,
Em ti a minha vida principia!

Se voas pela Altura,
Gravas no Azul a tua formosura!

Teu voo é um longo adeus:
O caminho das almas para os Céus...

Longe, saudosa, adejas,
E pairas sobre mim... bendita sejas!

Mário Beirão








        Natural de Beja, onde nasceu em 1 de maio de 1890, Mário Beirão faleceu em Lisboa 
em 19 de fevereiro de 1965.
        Foi contemporâneo e colega de Américo Durão e Florbela Espanca.
        A sua sensibilidade espelha o sentir da alma nostálgica. Hernâni Cidade considera-o, 
depois de Teixeira de Pascoaes, o maior poeta saudosista do seu tempo.

sábado, 4 de maio de 2024

 POEMAS POR TEMAS

DESEJO





Tema: Desejo


No Obscuro Desejo

No obscuro desejo,
no incerto silêncio,
nos vagares repetidos,
na súbita canção

que nasce como a sombra
do dia agonizante,
quando empalidece
o exterior das coisas,

e quando não se sabe
se por dentro adormecem
ou vacilam, e quando
se prefere não chegar

e sabê-lo, a não ser,
pressentindo-as, ainda
um momento, na aresta
indizível do lusco-fusco.

Vasco Graça Moura







        Vasco Graça Moura nasceu no Porto, a 3 de janeiro de 1942 e faleceu em Lisboa, a 27 
de abril de 2014.
        Foi escritor, tradutor e político. Como escritor deixou assinalável obra poética.
        Notabilizou-se, também, por ser um intransigente defensor da língua portuguesa.
        Foi um dos autores da proposta para a realização da Exposição Mundial de 1998, em Lisboa.

sábado, 27 de abril de 2024

 O ULTRARROMANTISMO

JOÃO DE LEMOS



A Lua de Londres

É noite; o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu:
Traz perdida a cor de prata,
Nas águas não se retrata,
Não beija no campo a flor,
Não traz cortejo de estrelas,
Não fala d'amor às belas,
Não fala aos homens d'amor.

Meiga lua! os teus segredos
Onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
Das praias d'além do mar?
Foi na terra tua amada,
Nessa terra tão banhada
Por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
Na pátria dos meus amores,
Pátria do meu coração?

Oh! que foi!... deixaste o brilho
Nos montes de Portugal,
Lá onde nasce o tomilho,
Onde há fontes de cristal;
Lá onde viceja a rosa,
Onde a leve mariposa
Se espaneja à luz do sol;
Lá onde Deus concedera
Que em noites de Primavera
Se escutasse o rouxinol.

Tu vens, ó lua, tu deixas
Talvez há pouco o país,
Onde do bosque as madeixas
Já têm um flóreo matiz;
Amaste do ar a doçura,
Do azul céu a formosura,
Das águas o suspirar;
Como hás-de agora entre gelos
Dardejar teus raios belos,
Fumo e névoa aqui amar?

Quem viu as margens do Lima,
Do Mondego os salgueirais,
Quem andou por Tejo acima,
Por cima dos seus cristais,
Quem foi ao meu pátrio Douro,
Sobre fina areia d'ouro,
Raios de prata esparzir,
Não pode amar outra terra
Nem sob o céu d'Inglaterra
Doces sorrisos sorrir.

Das cidades a princesa
Tens aqui; mas Deus, igual
Não quis dar-lhe essa lindeza
Do teu e meu Portugal;
Aqui, a indústria e as artes,
Além, de todas as partes,
A natureza sem véu;
Aqui, oiro e pedrarias,
Ruas mil, mil arcarias,
Além, a terra e o céu!

Vastas serras de tijolo,
Estátuas, praças sem fim
Retalham, cobrem o solo,
Mas não me encantam a mim;
Na minha pátria, uma aldeia,
Por noites de lua cheia,
É tão bela e tão feliz!...
Amo as casinhas da serra,
Co'a lua da minha terra,
Nas terras do meu país.

Eu e tu, casta deidade,
Padecemos igual dor,
Temos a mesma saudade,
Sentimos o mesmo amor:
Em Portugal, o teu rosto,
De riso e luz é composto,
Aqui, triste e sem clarão;
Eu lá, sinto-me contente,
Aqui, lembrança pungente
Faz-me negro o coração.

Eia, pois, ó astro amigo,
Voltemos aos puros céus,
Leva-me, ó lua, contigo
Preso num raio dos teus;
Voltemos ambos, voltemos,
Que nem eu, nem tu podemos
Aqui ser quais Deus nos fez;
Terás brilho, eu terei vida,
Eu já livre, e tu despida
Das nuvens do céu inglês. 

João de Lemos






        João de Lemos Seixas Castelo Branco, de seu nome completo, nasceu no Peso da Régua, 
em 6 de maio de 1819, vindo a falecer na Figueira da Foz em 16 de janeiro de 1890.
        Dramaturgo e jornalista evidenciou-se nas letras como poeta, tendo ficado conhecido por 
o trovador.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

 BEIRA-MAR




Beira-Mar

À beira-mar eu contemplo
Todo o vaivém das marés
Vendo nesse vasto templo,
Com que as ondas inconstantes
De líquidos balancés,
Com recuos e avanços
Inquietam mareantes
Em permanentes balanços.

A maré cheia da vida
Enche a alma de emoção,
A maré vaza contida
Deixa-a em erma solidão.

Batel sem poder vogar
Requer nova condição,
Maré para navegar
Com os ventos de feição.
Levado pela bolina,
É nessa força segura
Que confiante procura
O abrigo da marina.

Juvenal Nunes





quarta-feira, 10 de abril de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

ROSA LOBATO DE FARIA






Beijo a Beijo

 

E de novo a armadilha dos abraços.

E de novo o enredo das delícias.

O rouco da garganta, os pés descalços

a pele alucinada de carícias.

As preces, os segredos, as risadas

no altar esplendoroso das ofertas.

De novo beijo a beijo as madrugadas

de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso

teço um colar de gritos e silêncios

a ecoar no som dos precipícios.

E tudo o que me dás eu te devolvo.

E fazemos de novo, sempre novo

o amor total dos deuses e dos bichos.

Rosa Lobato Faria






        Rosa Lobato de Faria nasceu em Lisboa a 20 de abril de 1932 e viria a falecer na mesma 
cidade em 2 de fevereiro de 2010
        Personalidade multifacetada tornou-se conhecida no domínio da escrita quer em poesia 
quer em prosa; foi dramaturga, guionista de novelas e letrista.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

 POEMAS POR TEMAS

A ÁRVORE




Tema: A Árvore


Poema das árvores

As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
e entretanto, dar flores.

António Gedeão








        António Gedeão é o pseudónimo literário de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, nascido
em Lisboa em 24 de novembro de 1906 e falecido na mesma cidade em 19 de fevereiro de 1007.
        Foi poeta e cientista. Exerceu como professor no ensino secundário.
        Portugal adotou a data do seu nascimento como Dia Nacional da Cultura Científica.