segunda-feira, 5 de junho de 2023

 ANOVA ARCÁDIA

FRANCISCO MANUEL DO NASCIMENTO





Soneto

Já vem a primavera, desfraldando
Pelos ares as roupas perfumadas,
E os rios vão, nas águas jaspeadas,
Os frondíferos troncos retratando;

Vão-se as neves dos montes debruçando
Em tortuosas serpes argentadas;
Pelas veigas, o gado, alcatifadas,
A esmeraldina felpa vai tosando.

Riem-se os céus, revestem-se as campinas;
E a natureza as melindrosas cores
Esmera na pintura das boninas.

Ah! Se assim como brotam novas flores,
Se remoça todo o orbe... das ruínas
Dos zelos renascessem meus amores!

Francisco Manuel do Nascimento





        Francisco Manuel do Nascimento viu a luz do dia em Lisboa, em 23 de dezembro de 1734
e faleceu em Paris, em 25 de fevereiro de 1819.
        Usou o pseudónimo literário de Filinto Elísio. que lhe foi atribuído pela Marquesa de Alorna,
a quem dava explicações de Latim.
        Embora fosse sacerdote foi denunciado à Inquisição pelas suas ideias liberais, pelo que teve
de se exilar em Paris. Trabalhou como tradutor, atividade de que se destaca As Fábulas de
La Fontaine e poeta consagrado.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

POETAS DE PARABÉNS

JÚLIO DANTAS 




A LUPA

Quatro meses depois dessa hora dolorida
voltei, já resignado e quase sem rancor,
ao ninho onde viveu aquele imenso amor
que foi o grande amor de toda a minha vida.

Compreendi, então - quanta imagem querida!-
que pode haver encanto e doçura na dor:
um perfume - era o teu - palpitava em redor;
dormia num sofá uma luva esquecida.

Uma luva e um perfume: é o que resta de ti,
dos beijos que te dei, do inferno que sofri,
do teu mentido amor de juras desleais.

Que fui eu, afinal, na tua vida intensa?
O perfume que voa e em que ninguém mais pensa,
a luva que se deixa e não se calça mais…

Júlio Dantas





        Júlio Dantas, algarvio natural de Lagos, nasceu a 19 de maio de 1876 e faleceu em Lísboa,
em 25 de maio de 1962. 
        Formou-se em Medicina e foi político e escritor. Nas letras espraiou o seu talento pela prosa, dramaturgia e poesia, área em que aqui é evocado.


sexta-feira, 19 de maio de 2023

 VOZ DA NATUREZA





Voz da Natureza

Primavera, tempo puro
Purifica o ambiente,
Tempo de maio maduro
No cenário mais virente.

Tempo de renovação,
Em que o cerrado arvoredo
Ajuda na criação
Do ninho feito em segredo.

Nos montes surgem clareiras
Onde florescem papoulas,
São como belas floreiras
Das mais rubras lantejoulas.

A natureza derrama,
Nas espécies vegetais,
Tintas de cor cuja chama
Pinta quadros naturais.

As aves com o seu canto
Desenvolvem harmonias,
Desdobrando o seu manto
Das mais belas melodias.

Por todo o espaço perpassa
O odor mais perfumado
Com que a brisa nos enlaça
Nesse aroma sublimado.

Mundo de cor e perfume
Da mais bela singeleza
Só no verno se faz gala,
Nas aves há o costume
Do canto na natureza,
Da sua voz que nos fala.

Juvenal Nunes





sexta-feira, 12 de maio de 2023

 POEMAS POR TEMAS

AFEIÇÃO




                                                                         Tema: Afeição

Amiga


Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…

Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei prà minha boca!...

        Florbela Espanca







 
        Florbela Espanca é uma poeta portuguesa consagrada pela superior
qualidade dos seus sonetos.
        O seu talento espraiou-se também, na prosa, como contista.
        Viveu uma vida infeliz e teve uma morte trágica.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

 A NOVA ARCÁDIA

NICOLAU TOLENTINO



Sátira aos Penteados Altos

Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena
Que o furtado colchão, fofo e de pena,
A filha o ponha ali ou a criada.


A filha, moça esbelta e aperaltada,
Lhe diz coa doce voz que o ar serena:
- «Sumiu-se-lhe um colchão? É forte pena;
Olhe não fique a casa arruinada...»

- «Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?» E, dizendo isto,

Arremete-lhe à cara e ao penteado.
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado!...

Nicolau Tolentino





        De seu nome completo Nicolau Tolentino de Almeida, nasceu em Lisboa, em 10 de setembro de
1740 e faleceu, na mesma cidade, em 23 de junho de 1811.

        Foi uma figura de relevo da Nova Arcádia e, enquanto poeta, os seus textos imbuíram--se de uma vertente fortemente satírica, de cariz faceto, como se faz prova pelo soneto apresentado.

sexta-feira, 28 de abril de 2023

 POETAS DE PARABÉNS

FERNANDO NAMORA







Profecia

Nem me
disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade
Se filho amado ou rejeitado.
mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue....
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto
sempre,
que não posso recuar.

Fernando Namora







        Fernando Namora nasceu em Condeixa- a- Nova, em 15 de abril de 1919 e faleceu em Lisboa, em 31 de janeiro de 1989. Médico de profissão fez 
também carreira nas letras tendo-se estreado como poeta. 
        A sua obra de maior vulto, contudo, foi no domínio da prosa, tornando-se num preclaro representante do neo-realismo.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

 POEMAS POR TEMAS

LIBERDADE




Tema: Liberdade



Liberdade, onde estás? Quem te demora?

Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não Caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo que desmaia.
Oh! Venha… Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal, que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, oh Liberdade!

Bocage









        De seu nome completo Manuel Maria Barbosa L´Hedois du Bocage nasceu em Setúbal, 
em 15 de setembro de 1765 e faleceu em Lisboa, em 21 de dezembro de 1805.
        Como poeta, distinguiu-se como o mais lídimo representante do arcadismo português.