sábado, 27 de abril de 2024

 O ULTRARROMANTISMO

JOÃO DE LEMOS



A Lua de Londres

É noite; o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu:
Traz perdida a cor de prata,
Nas águas não se retrata,
Não beija no campo a flor,
Não traz cortejo de estrelas,
Não fala d'amor às belas,
Não fala aos homens d'amor.

Meiga lua! os teus segredos
Onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
Das praias d'além do mar?
Foi na terra tua amada,
Nessa terra tão banhada
Por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
Na pátria dos meus amores,
Pátria do meu coração?

Oh! que foi!... deixaste o brilho
Nos montes de Portugal,
Lá onde nasce o tomilho,
Onde há fontes de cristal;
Lá onde viceja a rosa,
Onde a leve mariposa
Se espaneja à luz do sol;
Lá onde Deus concedera
Que em noites de Primavera
Se escutasse o rouxinol.

Tu vens, ó lua, tu deixas
Talvez há pouco o país,
Onde do bosque as madeixas
Já têm um flóreo matiz;
Amaste do ar a doçura,
Do azul céu a formosura,
Das águas o suspirar;
Como hás-de agora entre gelos
Dardejar teus raios belos,
Fumo e névoa aqui amar?

Quem viu as margens do Lima,
Do Mondego os salgueirais,
Quem andou por Tejo acima,
Por cima dos seus cristais,
Quem foi ao meu pátrio Douro,
Sobre fina areia d'ouro,
Raios de prata esparzir,
Não pode amar outra terra
Nem sob o céu d'Inglaterra
Doces sorrisos sorrir.

Das cidades a princesa
Tens aqui; mas Deus, igual
Não quis dar-lhe essa lindeza
Do teu e meu Portugal;
Aqui, a indústria e as artes,
Além, de todas as partes,
A natureza sem véu;
Aqui, oiro e pedrarias,
Ruas mil, mil arcarias,
Além, a terra e o céu!

Vastas serras de tijolo,
Estátuas, praças sem fim
Retalham, cobrem o solo,
Mas não me encantam a mim;
Na minha pátria, uma aldeia,
Por noites de lua cheia,
É tão bela e tão feliz!...
Amo as casinhas da serra,
Co'a lua da minha terra,
Nas terras do meu país.

Eu e tu, casta deidade,
Padecemos igual dor,
Temos a mesma saudade,
Sentimos o mesmo amor:
Em Portugal, o teu rosto,
De riso e luz é composto,
Aqui, triste e sem clarão;
Eu lá, sinto-me contente,
Aqui, lembrança pungente
Faz-me negro o coração.

Eia, pois, ó astro amigo,
Voltemos aos puros céus,
Leva-me, ó lua, contigo
Preso num raio dos teus;
Voltemos ambos, voltemos,
Que nem eu, nem tu podemos
Aqui ser quais Deus nos fez;
Terás brilho, eu terei vida,
Eu já livre, e tu despida
Das nuvens do céu inglês. 

João de Lemos






        João de Lemos Seixas Castelo Branco, de seu nome completo, nasceu no Peso da Régua, 
em 6 de maio de 1819, vindo a falecer na Figueira da Foz em 16 de janeiro de 1890.
        Dramaturgo e jornalista evidenciou-se nas letras como poeta, tendo ficado conhecido por 
o trovador.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

 BEIRA-MAR




Beira-Mar

À beira-mar eu contemplo
Todo o vaivém das marés
Vendo nesse vasto templo,
Com que as ondas inconstantes
De líquidos balancés,
Com recuos e avanços
Inquietam mareantes
Em permanentes balanços.

A maré cheia da vida
Enche a alma de emoção,
A maré vaza contida
Deixa-a em erma solidão.

Batel sem poder vogar
Requer nova condição,
Maré para navegar
Com os ventos de feição.
Levado pela bolina,
É nessa força segura
Que confiante procura
O abrigo da marina.

Juvenal Nunes





quarta-feira, 10 de abril de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

ROSA LOBATO DE FARIA






Beijo a Beijo

 

E de novo a armadilha dos abraços.

E de novo o enredo das delícias.

O rouco da garganta, os pés descalços

a pele alucinada de carícias.

As preces, os segredos, as risadas

no altar esplendoroso das ofertas.

De novo beijo a beijo as madrugadas

de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso

teço um colar de gritos e silêncios

a ecoar no som dos precipícios.

E tudo o que me dás eu te devolvo.

E fazemos de novo, sempre novo

o amor total dos deuses e dos bichos.

Rosa Lobato Faria






        Rosa Lobato de Faria nasceu em Lisboa a 20 de abril de 1932 e viria a falecer na mesma 
cidade em 2 de fevereiro de 2010
        Personalidade multifacetada tornou-se conhecida no domínio da escrita quer em poesia 
quer em prosa; foi dramaturga, guionista de novelas e letrista.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

 POEMAS POR TEMAS

A ÁRVORE




Tema: A Árvore


Poema das árvores

As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
e entretanto, dar flores.

António Gedeão








        António Gedeão é o pseudónimo literário de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, nascido
em Lisboa em 24 de novembro de 1906 e falecido na mesma cidade em 19 de fevereiro de 1007.
        Foi poeta e cientista. Exerceu como professor no ensino secundário.
        Portugal adotou a data do seu nascimento como Dia Nacional da Cultura Científica.

quarta-feira, 27 de março de 2024

 O ULTRARROMANTISMO

SOARES DE PASSOS





Desejo

Oh! quem nos teus braços pudera ditoso
No mundo viver,
Do mundo esquecido no lânguido gozo
D'infindo prazer.

Sentir os teus olhos serenos, em calma,
Falando d'além,
D'além! duma vida que sonha minha alma,
Que a terra não tem.

Eu dera este mundo, com tudo o que encerra
Por tal galardão:
Tesouros, e glórias, os tronos da terra,
Que valem, que são?

A sede que eu tenho não morre apagada
Com tal aridez:
Pudesse eu ganhá-los, e iria seu nada
Depor a teus pés.

E só desejando mais doce vitória,
Dizer-te: eis aqui
Meu ceptro e ciência, tesouros e glória:
Ganhei-os por ti.

A vida, essa mesma daria contente,
Sem pena, sem dor,
Se um dia embalasses, um dia somente,
Meu sonho d'amor.

Isenta do laço que ao mundo nos prende,
A vida que vale?
A vida é só vida se o amor nela acende
Seu doce fanal.

Aos mundos que eu sonho pudesse eu contigo,
Voando, subir;
Depois que importava? depois no jazigo
Sorrira ao cair.

Soares de Passos




        António Augusto Soares de Passos nasceu na cidade do Porto em 27 de novembro de 
1826 tendo falecido na mesma cidade em 8 de fevereiro de 1860. 
         Concluiu o curso de Direito na Universidade de Coimbra tendo exercido como jurista 
até se dedicar exclusivamente à Poesia.
        É considerado figura de proa do Ultrarromantismo português.

domingo, 17 de março de 2024

 DIA MUNDIAL DA POESIA

                                                                                                                      





         Dia Mundial da Poesia

Está perto a primavera
Com vasta policromia
Quem por ela sempre espera
Também acha a Poesia.

Brincam as flores no prado,
Sopram amenas aragens,
Cada par enamorado
Por amor troca mensagens.

Gorjeiam ternas as aves
Em alegre sinfonia;
Tudo quanto se revela,
Por simples modos suaves,
Ultrapassa a fantasia,
Tornando sempre mais bela
A candura dos poetas,
Que revive em poesia
Libertando-os de grilhetas
Na mais completa harmonia.

        Juvenal Nunes







        O Dia Mundial da Poesia foi consagrado pela Unesco no dia 21 de março.
        Esta data coincide, também, com o Dia Mundial da Árvore.
        Portugal, país do hemisfério norte, recebe a primavera, este ano, no dia 20 de março, 
não se dando, portanto, a coincidência das três efemérides.

        Esta minha participação responde à iniciativa lançada pela amiga Rosélia Bezerra.

sábado, 9 de março de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

ALEXANDRE HERCULANO





RESIGNAÇÃO

No teu seio, reclinado
Dormirei, Senhor, um dia,
Quando for na terra fria
Meu repouso procurar;

Quando a lousa do sepulcro
Sobre mim tiver caído,
E este espírito afligido
Vir a tua luz brilhar!

No teu seio, de pesares
O existir não se entretece;
Lá eterno o amor florece;
Lá florece eterna paz:

Lá bramir junto ao poeta
Não irão paixões e dores,
Vãos desejos, vãos temores
Do desterro em que ele jaz.

Hora extrema, eu te saúdo!
Salve, ó trevas da jazida,
Donde espera erguer-se à vida
Meu espírito imortal!

Anjo bom, não me abandones
Neste trance dilatado;
Que contrito, resignado,
Me acharás na hora fatal.

E depois... Perdoa, ó anjo,
Ao amor do moribundo,
Que só deixa neste mundo
Pouco pó, muito gemer.

Oh... Depois... Diz à mesquinha
Um segredo de doçura:
Que na pátria o amor se apura,
Que o desterro viu nascer.

Que é o Céu a pátria nossa;
Que é o mundo exílio breve;
Que o morrer é cousa leve;
Que é princípio, não é fim:

Que duas almas que se amaram
Vão lá ter nova existência,
Confundidas numa essência,
A de um novo querubim.

Alexandre Herculano







 De seu nome completo Alexandre Herculano de Carvalho Araújo nasceu em Lisboa, 
em 28 de março de 1810 e faleceu no seu retiro de Santarém, em 13 de setembro de 1877.
        Notabilizou-se como historiador, dramaturgo, jornalista e poeta da era do Romantismo.
        Defendeu a causa liberal, pela qual lutou militarmente tendo participado no Cerco do Porto.
        Acabou por recusar as honrarias que lhe foram concedidas.