sábado, 16 de novembro de 2024

 BUSCA







Busca 

Corre o rio para o mar
Na pressa de o abraçar;
Corro eu no mesmo passo
Na procura dum abraço.

No leito de águas revoltas,
Nesse caminho entre margens, 
Sinto as amarras soltas
No seguir dessas viagens.

Leva o canto das sereias
O rio ao mar nos seus braços,
Surdo a essas melopeias
Fico preso nos sargaços.

O rio tem a certeza 
De chegar ao seu destino
Tão próprio da natureza;
Também busco com firmeza
A rota em que maquino
Alcançar a minha empresa.

Dure o tempo que durar
Sempre chega o rio ao mar;
Perdido nas minhas mágoas
Quero encontrar as águas,
Que me façam navegar
Até poder encontrar
O destino dum bom cais,
Para não perder jamais
Âncora de amarração,
Que me deixe fundear 
No cais do teu coração.

Juvenal Nunes





sábado, 9 de novembro de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

INÊS LOURENÇO






Português Vulgar

O meu gato deixa-se ficar
em casa, farejando o prato
e o caixote das areias. Já não vai
de cauda erguida contestar o domínio
dos pedantes de raça, pelos
quintais que restam. O meu gato
é um português vulgar, um tigre
doméstico dos que sabem caçar ratos e
arreganhar dentes a ordens despóticas. Mas
desistiu de tudo, desde os comícios nocturnos
das traseiras até ao soberano desprezo
pela ração enlatada, pelo mercantilismo
veterinário ou pela subserviência dos cães
vizinhos. Já falei deste gato
noutro poema e da sua genealogia
marinheira, embarcada nas antigas
naus. Se o quiserem descobrir, leiam
esse poema, num livro certamente difícil
de encontrar. E quem procura hoje
livros de poemas? Eu ainda procuro,
nos olhos do meu gato, os
dias maiores de Abril.

Inês Lourenço





        Inês Lourenço é natural do Porto, onde nasceu em 7 de novembro de 1942.
        Dispersou a sua poesia por diversos jornais e revistas portuguesas, bem como por alguns 
países estrangeiros. Tem inúmeros livros publicados.
        Como poeta foi-lhe atribuída a medalha de mérito, pela Câmara Minicipal do Porto, em 9 
de julho de 2023.


sábado, 2 de novembro de 2024

 POEMAS POR TEMAS

AS FLORES




Tema: As Flores

A Duas Flores

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo, no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor

Castro Alves






        De seu nome completo António Frederico de Castro Alves nasceu em Vila Nova de Nossa 
Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, aos 14 de março de 1847. Viria a falecer em Salvador, 
a 6 de julho de 1871, aos 24 nos de idade, ainda na flor da vida.
        Rapidamente se impôs no mundo das letras, sendo considerado, pelos seus contemporâneos,
 o maior dentre os maiores.
        Improvisava com facilidade e era um excelente declamador.

sábado, 26 de outubro de 2024

 O PARNASIANISMO

                               O parnasianismo foi um movimento literário, especialmente poético, que se
                    originou em França. Vigorou em Portugal entre 1865 e 1890 e teve em João Penha
                    um dos seus principais cultores.

JOÃO PENHA







IDEAL

Era a jovem mais bela da cidade,
Nem mais graciosa em toda a Espanha a havia.
Não detestava a dança, e á noite lia
Obras de devoção e de piedade.

Namorado de tanta mocidade,
Disse-lhe, balbuciante, o que sentia.
Branda, aceitou-me a côrte, porque via
Que eu a amava com fé, com lealdade.

Um dia, quis beijá-la à moda antiga,
À pressa, porque a vida é transitória.
Ela, porém, com voz suave e amiga:

– «Nunca!» me disse; é vã, é ilusória
A matéria em que o espírito se abriga:
Quero que me ames, sim, mas... incorpórea.»

João Penha







        João Penha de Oliveira Fortuna era o seu nome completo e nasceu em Braga em 29 de 
abril de 1838 tendo falecido na mesma cidade em 3 de fevereiro de 1919.
        Colaborou em jornais literários e revistas da época, juntamente com outros intelectuais seus contemporâneos
        A sua produção literária marcou uma época a ele se devendo a introdução do Parnasianismo 
em Portugal.

sábado, 19 de outubro de 2024

 POETAS DE PARABÉNS

NATÉRCIA FREIRE






Amor

Vibrátil, fina, perfumada e clara
ondula a aragem que o amor provoca.
Longe respira a vida. Aqui o sonho.
Tudo é infância de águas e colinas
Na manhã dos teus olhos.
E vôos de mãos dadas.
E cantos, cantos de infinito amor,
Nos galhos, nas correntes e nas sombras veladas.

Envolve-se de nuvem nosso abraço.
Vibrátil, fina, perfumada e clara
ondula a aragem. Fadas e duendes
agitam instrumentos na folhagem.

Vibrátil, fina, impercetível, fluída
orquestra ao longe. Ao fundo dos sentidos.
Dedos de flores ondeiam sobre a pele
de Céus indefinidos.

Cantam mistérios bocas fascinadas.
Abrem corolas sob a luz que as toca.
Vibrátil, fina, perfumada e clara
ondula a aragem que o amor provoca.

Natércia Freire







        De seu nome completo Natércia Ribeiro Oliveira Freire, nasceu em Benavente, em 28 de 
outubro de 1919 e veio a falecer em Lisboa, em 17 de dezembro de 2004.
        Professora primária de profissão tornou-se uma poetisa de qualidade pelo seu inegãvel 
talento.
        Galardoada ao longo da vida com inúmeros prémios literários recebeu. a título póstumo, no centenário do seu nascimento, o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

sábado, 12 de outubro de 2024

 POEMAS POR TEMAS

AS ÁRVORES




Tema: As Árvores

As árvores e os livros

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

Jorge Sousa Braga





        Jorge de Sousa Braga é natural de Cervães, Vila Verde, onde nasceu a 23 de dezembro 
de 1957.
        Médico de profissão, sentiu, a exemplo de muitos profissionais desse ofício, o chamado 
das letras, revelando, desde cedo, a sua vocação poética.
        Poeta dos nossos dias, distingue-se, também, como tradutor.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

 CHEGOU O OUTONO




Chegou o Outono

O outono chegou...
No sopro do vento
Há triste lamento.

O outono chegou...
Árvores despidas
São almas transidas.

O outono chegou...
Uma fria aragem
Varre a folhagem.

O outono chegou...
Silva a ventania
Agreste e sombria.

O outono chegou
Num lento compasso
De desolação.
Por todo o espaço
A nova estação
Marca o tempo e o passo
Em que a viração,
Num céu mais cinzento,
A todo o momento,
No seu ritual,
Nos diz que afinal
O outono chegou!

Juvenal Nunes